quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ainda



O nosso amor parou aqui
E foi melhor assim.
Nana Caymmi

Ainda tenho nossa foto salva na área de trabalho, ainda me incomoda a proximidade dos nossos corpos, ainda lembro de você quando me mostram aquela música, a mesma que ouvi com você e suportei por você. Ainda não sei explicar o que aconteceu nesses quatro ou cinco meses de um ano que começou estranho, em alta rotação e ao mesmo tempo calminho. Ainda sinto um desejo interminável de que você desapareça, de que a gente nunca mais se veja, de que as recordações sigam juntas nessa mala que arrumei com um pouco de carinho e muito de entusiasmo. Ainda me pego acordando de madrugada e sentindo a cama fria do outro lado, naquela coberta verde, do lado do urso que segurou outro dia a almofada rosa. Ainda olho para as letras daquela almofada e questiono o quanto foi amor e o quanto foi farsa. A farsa que sustento até na dor, até no sofrer. E se for farsa, convenceu tão bem que machucou de verdade. Ainda choro quando percebo a bagunça que você deixou assim que saiu correndo e resolveu abrir a mesma mala que eu arrumei pra você ir embora. Não deu tempo catar as peças que iam caindo, os retratos que foram sendo pisoteados, as migalhas sufocantes em forma de lágrimas. Ainda sonho com os olhinhos pequenos, os mimos e os dramas, só que em outro rosto, outro toque e outro corpo. Ainda brinco de ser soldado de guerra dizendo que não foi nada, apenas uma batalha que acabou. Ainda me faço de menino grande e esqueço das pequenices guardadas em cada sintoma que deixo escapar despercebido, relaxado, em transe.

Ainda digo adeus. Ainda sinto o adeus. Ainda sonho com o adeus.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Olhares ávidos


I'm done with my graceless heart, so tonight I'm gonna end it.
(adaptado de Florence + The Machine)

Cansei de pontos e vírgulas que se tornam reticências com o derreter de um pingo na caneta de tinteiro. Parece que os fragmentos de amor se tornaram tão pequenos que se afastam, como poeira em meio a um deserto de olhares ávidos por um final de novela das oito. Já não me interessa saber todos os teus sujeitos, teus períodos, ainda que eu esteja aqui enchendo um texto só meu de orações sem sentido, em um fim de domingo, em um fim de uma ligação que perdura mais do que deveria.

Entre palavras trocadas, uma desculpa. Entre olhares trocados, uma perda. Entre aquelas (in)verdades ditas, uma maldição. A maldição capaz de transformar o que antes era belo em um simples espelho quebrado, com cacos que feriram. Por sorte, corri; e o que todos os olhares - dessa vez, ávidos por sangue - desejavam, não foram capazes de gerar mais que arranhões. Ainda aqui, sobre a pele, as marcas me fazem reviver sensações e olhar para um escuro tão mais claro quanto seria capaz de enxergar.

Um entremeio. Grades. Um aqui tão apertado que tonteia, nebula.
- Saia. Voe. Busque sua liberdade. Só nunca esqueça: a intensidade jamais será a mesma se não for (tão) alto. Aqueles olhares ávidos? Ainda estão te olhando, cá de baixo, para que não saia de tão perto deles, ainda que te faça subir por vezes em um espaço tão raso quanto aquilo que nos tornamos.

Texto de Patrick Moraes