sábado, 24 de maio de 2014

Descalço



Eu te conheci descalço. Vestia um sorriso tímido e dois olhos que mal cabiam em todo seu tamanho. Na mão direita, guardava carinho para mais tarde, se fosse mesmo preciso, dosar entre os apertos e as carícias. Na mão esquerda, guardava alguma coisa que eu não fui capaz de descobrir naquela noite.

Desde então, você tem se escondido aqui dentro, e para te manter meu, me calei ante a vontade de gritar. Entre os seus discos preferidos e os meus artistas de cabeceira, encontrei os versos certos para, aos poucos, sussurrar os desejos bobos que andei tendo sobre a gente. Talvez eu sussurre quando você estiver dormindo ao meu lado e não existam chances de você acordar daquilo que eu comecei a chamar de nosso. Talvez eu desista de expulsá-los em sussurros e escreva cartas sem remetentes contando sobre os pés descalços que deixaram leves marcas na areia do meu quintal.

Acho mais seguro falar baixinho, querer escondido, amar em segredo. Eu sei que é tudo coisa de menino que não acredita em si, que tudo isso não passa de insegurança boba, daquele medo que você acorde e simplesmente vá. Vá do mesmo jeito que chegou: descalço e sem cerimônias para entrar em casa. Receio que você saia tão rápido que não seja capaz de perceber a cama desarrumada que você mesmo bagunçou.

O problema é que quando você for, eu vou reparar se você deixou a porta encostada ou fechou de vez. Eu vou olhar em cima da penteadeira se você esqueceu sua camisa xadrez, ou se lembrou de deixar algum bilhete dizendo qualquer coisa que fosse só para eu descobrir como era a sua letra. Já me disseram dessa minha mania de querer antecipar os sentimentos, de esperar até que a angústia se transforme em cansaço e eu resolva dormir de novo na cama que você bagunçou.

Talvez você tenha vindo descalço para não fazer barulho quando for embora. E foi por isso que eu preferi não falar alto. Porque se você for, sussurrado doerá menos.

Texto de Patrick Moraes

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