quarta-feira, 10 de junho de 2015

Sobre voos, sonhos e fé


Para ler ouvindo "Nascente"

Dorme, menino. O vento não te assusta, e o medo resolveu dar trégua. Sonha com seus prazeres, porque aí nada pode te sufocar. Aqui fora a vida anda muito dura. Viver tem se tornado a batalha de quem grita mais alto e você sempre preferiu sussurar. Aquieta o peito essa noite e faz uma prece bem baixinho para que tudo fique bem. Por maior que seja o obstáculo, tua coragem insiste em dizer que sim, ainda sorriremos aliviados depois de todo esse caos.

Enquanto te vejo dormir, fico lembrando daquela história que você me contou ainda pequeno. Tuas fantasias de ser pássaro e teu desejo de tornar o céu tua casa. Não tinha como negar, teus olhos brilhavam por liberdade. As asas, os impulsos, o vento: tudo te encantava nesse mito de ser o homem do céu. Até a chuva você admirava. Dizia que era o céu abrindo o peito sufocado em uma enxorrada de sentimentos.

Quem dera se a vida escutasse todos os sonhos que a gente cultiva baixinho. Mas ela não obedece, é tão teimosa quanto a tua valentia e muda tudo. Traça novos caminhos, testa nossa fé e pede paciência. Alguém já viu menino ter paciência? Menino é devoto da pressa e sai logo pulando janelas ao invés de abrir portas. Menino não espera, paga pra ver onde tudo vai dar mesmo sem saber se vai dar em alguma coisa. E aí vem a vida jogando pesado com seu maior trunfo: o tempo certo. Sábio aquele que aprendeu cedo que o acaso não erra, ele espera sua distração para surpreender.

Não chora, menino. A dor chega para quem sente, e sentir é a melhor maneira de estar vivo. Cuida desses arranhões no peito e aprende de uma vez por todas que não existe certeza quando se trata de destino. Mesmo machucada, sua alma ainda alimenta a esperança no amanhã. Lembra quantos castelos de areia foi preciso ser refeito para que a onda não derrubasse tudo? É exatamente assim que a gente cresce. Todas as quedas foram só pequenos passos para que você levantasse ainda mais forte e destinado a sorrir. Parece balela, mas cada um sabe onde dói e onde mora o amor dentro de si mesmo.

Amanheceu. É hora de enfrentar todo o rancor daqueles que abandonaram sua alma de menino. Abre teus olhos, abraça a coragem e nunca desiste de acreditar no que vai chegar. Mais tarde, a gente sorri juntos e arrisca voar de novo. Talvez lá de cima seja possível ser livre e amar. Só não esquece nunca do que eu te disse baixinho antes de você dormir: que a sua fé seja amor e que ela nunca se perca. Só assim teu peito terá o conforto de viver em paz e teus sonhos nunca desistirão de existir.

Texto de Patrick Moraes

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