segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Eu tive que ir


Para ler ouvindo "2 Perdidos"

Desculpa ter ido embora sem me despedir. Na verdade, eu não tinha a intenção de te deixar por agora. Mesmo sem certeza alguma do futuro, eu acreditei em seus olhos da segunda vez em que eles encontraram os meus. Talvez tenha sido cedo demais para que dois abraços e uma hora de papo despertassem o que havia adormecido há meses. Mas quem é capaz de entender o tempo exato daquilo que a gente sente?

Eu queria ter ficado mais. Queria ter morado em teu peito por muitas noites e adormecido ao teu lado no meio de um filme qualquer. Queria ter ficado te olhando contar todos os mistérios do universo que você descobriu ou passar horas dizendo o quanto os astros foram bondosos ao combinar nossos signos. Eu realmente queria que a gente durasse mais alguns encontros até que a gente se desse conta que a dúvida sobre nós se perdeu no caminho dos afetos.

Mas eu tive que ir. Parecia cedo demais para cobranças e você é pássaro livre. Eu fiquei e você voou, como naturalmente acontece com quem não vive em gaiolas. Para ser bem sincero, não vejo mal nenhum em ter o céu como casa. Só que eu achei que voar a dois fosse o nosso destino. À noite, cansados, teríamos um ninho e todas as estrelas olhando por nós. Era o descanso afetuoso de nossas almas dizendo que a liberdade mais especial é aquela compartilhada com o amor.

Desculpa não ter sido claro. Fugir, às vezes, é a maneira natural que eu encontro de evitar dores maiores. Eu não saberia como começar a te contar o quanto eu queria ficar mais. Ficar em tua cama, só te vendo falar ao telefone enquanto sorria para mim. Ficar em teu corpo, descobrindo cada pedaço de prazer de um lugar que eu chamaria de casa com o tempo. Ficar em teus abraços, que sufocavam as dúvidas e perfumavam os meus dias.

Mas você desfez o que a gente havia arrumado, você desfez as certezas que a gente espera encontrar para seguir em frente. Voos rasos não chegam nem perto do céu que eu planejei para nós dois. Depois dos afetos, veio o deslize, e eu tive que ir em busca de outro ninho. Um novo par, um novo colo, um novo abraço para morar. Desculpa não ter ficado mais. Eu tive que ir por simplesmente não acreditar que seguir contigo seria a melhor forma de ser feliz. 

Texto de Patrick Moraes
Foto de Marcelo Morais

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nós nunca dissemos "eu te amo"


Para ler ouvindo "Varrendo a Lua"

Nós nunca dissemos “eu te amo”. Nem quando nossos olhos brilharam no reencontro após sua viagem de quinze dias, nem quando as borboletas voaram depois que te deixei em casa após o primeiro encontro. Ensaiamos um “você é especial” e firmamos, com pedido, um relacionamento sério em pleno calor daquela noite de inverno. Usamos dezenas de músicas que pudessem substituir as três palavras mágicas e até concordamos em, carinhosamente, nos apelidarmos no dia a dia.

Nós nunca dissemos “eu te amo” porque faltava coragem de assumir o amor. Coragem, medo e um pouquinho de insegurança. Dizer “eu te amo” era expor a vulnerabilidade que meu coração se tornou desde que você chegou e ficou. Era como provar que você me afetava de tal forma que eu não era mais capaz de controlar totalmente o que eu sentia. Era o autocontrole se perdendo, mesmo que o desejo de ficar e amar se achassem cada dia mais.

Nós nunca dissemos “eu te amo”, porque, misteriosamente, essas três palavras juntas podem causar um estrago grande quando vêm da alma. E, mesmo gostando do estrago, a gente preferia se amar sem muitas palavras. Nosso amor transbordava nas entrelinhas do que diziam nossos olhos. Se faltassem as frases, sobrariam os gestos. Tuas mãos sabiam conversar tão bem com as minhas que qualquer diálogo falaria muito menos que os nossos silêncios.

Nós nunca dissemos “eu te amo” porque aprendemos a guardar nosso amor em uma grande torre de marfim. Sabíamos que ele existia, mas não era necessário dizê-lo todos os dias, ainda que isso fosse um tanto injusto com toda a história que construímos. Éramos o casal perfeito, até mesmo na imperfeição da distância e das diferenças. Éramos o exemplo do amor pra vida inteira, ainda que a tal combinação das três palavras não fosse dita.

Nós nunca dissemos “eu te amo”. Nem quando eu olhei para trás e me despedi, pela última vez, naquele terminal de ônibus. Você foi embora, sabendo que perderia a última chance de me fazer ficar. Eu fui embora, sabendo que poderia te convencer de que o amor ainda valia a pena. Dessa vez, nossos silêncios seguiram rotas diferentes e, sozinhos, recomeçaram um novo amor consigo mesmo.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Artur De Francischi

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A gente se perdeu do nosso destino



Para ler ouvindo "Who You Love"

Eram teus dedos marcados em minha pele e teus beijos escondidos em meu pescoço. Era tua mania de, por diversão, me tirar do sério e teu semblante de que nada mais importaria se eu estivesse deitado em teu peito aquela noite. Era até teu silêncio ao ouvir minhas histórias longas e a tua paciência em me ver experimentar pela vigésima vez a mesma camisa antes de sairmos para jantar. Era tudo que poderíamos ter sido se a gente tivesse ficado.

Mas entre as distâncias e as diferenças, saímos da rota e seguimos em vagões diferentes. Distantes, sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, perceberíamos como nossos destinos deveriam ter sido escritos na mesma página daquele livro. Próximos, a gente se perdia na inesgotável necessidade de ter razão e fugíamos. Nossos corações se transformaram em casulos tão pequenos que mal cabiam as certezas. Preferimos ignorar a saudade e deixar de fora o carinho que criamos sem nos darmos conta.

Quando nos encontramos ali, inesperadamente, na porta daquela festa, a gente se perdeu mais uma vez. Ou melhor, a gente não soube como se encontrar enquanto nossos olhos diziam o que nenhuma palavra seria capaz de explicar. Eu chegando, você saindo. Eu querendo falar, você sorrindo. Foi o medo do adeus que simplesmente nos conduziu para, novamente, seguir rotas opostas. Mas eu continuei olhando para trás e tendo a certeza de que seus olhos estariam me esperando. Eu continuei atentamente te vendo partir, em passos curtos e incertos. Você olhou antes de sumir de vez.

Mas a gente se reconheceu de novo. No bar perto da minha casa, eu com meus amigos, você chegando para mais um encontro que não te entregaria o que você queria. Você sabia que seu destino estava na mesa ao lado e nem ousava disfarçar. Inevitavelmente, eu torcia para que aquilo tudo não passasse de uma tentativa frustrada de superar o que fomos. Ou talvez o que poderíamos ter sido. Mas a teimosia nos tirou um do outro por incansáveis vezes.

Hoje, me peguei olhando a única foto que tiramos naquela manhã em que acordei com você tocando alguma música do John Mayer no violão. Me peguei pensando em como eu queria ter te apresentado a minha avó, mesmo que ela fosse te contar mil histórias da minha infância. Em como seria ter te convidado para um almoço de família no domingo e perdido a noção da hora entre a sobremesa e seu sorriso. Sorri imaginando como seria ter um mural cheio de você no meu quarto, ainda que você odiasse a minha mania de registrar tudo naquela máquina de congelar momentos.

Desejaria que as tardes mais vazias pudessem ser preenchidas com sua presença e que as piadas mais bobas existissem e fizessem sentido apenas para nós dois. Que seus braços fossem o melhor lugar para esquecer os cansaços da vida e que seu cafuné me lembrasse o quanto a delicadeza entre nós dois era gostosa. Eu queria te contar ainda muito mais coisas do que eu andei pensando sobre nós dois. Mas a gente se perdeu tantas vezes por aí que eu ando questionando como reunir todos os pedaços do que poderíamos ter sido se a gente tivesse ficado.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira

segunda-feira, 20 de junho de 2016

O que sobra é sua falta


Para ler ouvindo "Quase Sempre"

Desculpa vir aqui novamente para falar sobre nós dois. Depois que você se foi, meu orgulho decidiu que não havia volta, não havia chance, não havia recomeço. Nossos caminhos seguiram rumos diferentes e eu decidi te esquecer na próxima curva, por escolha ou decreto. Decidi que, daquele adeus em diante, todos os afetos virariam pó e todas as lembranças seriam encaixotadas no porão que construí para abrigar o que não cabe mais na vida.

Duas semanas depois, sua ausência não incomodava tanto. O que antes sufocava virou alívio. Não tinha lugar para saudade. O vazio que a tua falta deixou foi o mesmo que me deu espaço para respirar: leve, corajoso e libertador. A incerteza do futuro ainda não estava nos planos, que, por sinal, acabei deixando para recomeçar depois. Um mês depois, as certezas foram embora e aqui estou eu: derrotado em mais uma luta contra nós dois.

Mesmo com a porta encostada e sua ausência no quarto, o lençol da cama está bagunçado e todas as poesias que escrevi em segredo permanecem guardadas na última gaveta, onde escondo aquilo que o coração nega. Você ainda está presente nos bilhetes espalhados pelos meus cadernos, no barbeador usado em cima do armário do banheiro, nas mensagens no celular que ainda não tive coragem de apagar, nas fotos da nossa primeira viagem espalhadas em meu mural. Você ainda se esconde na camiseta velha que você usava quando dormia aqui em casa, no seu lugar preferido para ver o jogo de futebol aos domingos, nas rolhas de cada vinho que guardávamos no pote em cima da estante da sala.

Mesmo que eu insista nessa história de que tudo virou passado, é meu travesseiro quem sabe o quanto nossas lembranças ainda são presentes noite após noite. É teu cheiro forte em outro pescoço que insiste em dizer o quanto a ausência da tua pele dói. São as músicas que cantávamos juntos dentro do carro que continuam fazendo sentido. São todas as crônicas, poesias e frases soltas que leio na tentativa de encontrar uma explicação para o que fomos ou, involuntariamente, criar a ilusão do que seremos.

Desculpa mais uma vez por vir aqui falar sobre nós dois. Eu continuo seguindo daqui, te desconhecendo dia após dia, refazendo meus planos noite após noite, aprendendo a conviver com os pedaços que você deixou em minha vida. Um dia, todas as nossas lembranças ganharão um novo sentido e você irá embora por inteiro. Só assim, eu saberei o que é viver com a sua ausência sem lidar com a saudade de nós.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Ricardo William

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Quando o amor virou passado


Para ler ouvindo "Calma aí"

Antes que você vá embora de vez, eu preciso confessar: eu te amei! Dos beijos no começo da manhã até o sussurro de "bons sonhos" na última mensagem de despedida. Dos olhos brilhando no seu pedido de nos fazer eterno até o cheiro do seu perfume que restava no travesseiro todas as vezes que você dormia aqui.

Eu te amei em cada vírgula da nossa história torta, em cada lágrima que escondi no escuro do quarto, em cada sorriso que suas surpresas provocaram. Eu te amei como quem esquece até mesmo de amar a si. Eu te amei nos goles de cerveja que dividimos no boteco da esquina, nas taças de vinho em noites que eram só nossas, nos devaneios noturnos em que meu prazer era seu orgasmo.

Antes que você feche a porta de vez, eu preciso te contar que você foi o meu melhor sonho e o pior pesadelo. Durante todos os dias que estive ao teu lado, eu te amei até mesmo na instabilidade que era te amar. Das suas friezas em dias de mau humor até a sua mania de me segurar no colo até eu confessar que era somente seu. Eu te amei quando a falta de razão era a única explicação para o amor.

Eu te amei até não saber amar mais ninguém, até desistir de encontrar em outros olhos o inexplicável que os seus me mostravam. Eu te amei mesmo depois da porta fechada, do celular continuar mudo, de te ver sorrindo em cada nova foto publicada. Eu te amei na imensidão da saudade, na solidão que a sua ausência causou e em cada foto que rasguei na tentativa de esquecer você.

Antes que eu perca a coragem, eu preciso te contar que eu realmente te amei. Mas assim como todo verbo encontra o tempo certo para existir, meu coração soube onde te colocar em minha história. As noites que me trouxeram a certeza do nosso amor, também confirmaram que sua ausência deixou de ser falta e passou a se chamar sossego.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Deixa eu bagunçar você


Para ler ouvindo "Zero"

Esquece todos os seus medos hoje e se aconchega aqui do meu lado. Esquece aquele amor que ainda dói e todas as cicatrizes que carregam suas histórias no peito e na pele. Esquece a malinha de mão onde você guardou seus apegos e tudo que não te permite voar. Esquece a rotina que ainda te coloca em uma gaiola.

Esquece a porta aberta e me permite entrar. Deixa que os nossos silêncios falem por si. Esquece teu olhar em cima do meu e deixa que ele conduza toda poesia que nosso corpo implora. Esquece os segredos que você guarda e só se entrega. Faz desse encontro o lugar ideal para a liberdade que você tanto procura, e deixa eu te dizer o quanto nossos desejos estão certos.

Esquece teu abraço aqui em casa e, se der, volta para buscar. Esquece as datas, mas lembra os momentos. Esquece todas as vezes que a gente se desencontrou por qualquer motivo e dá crédito ao que o tempo reservou para nós. Faz de conta que a gente só tem o hoje e esquece os anseios do que nos aguarda.

Esquece o amanhã, as possibilidades, os poréns. Esquece todas as suspeitas que o incerto insiste em te convencer e deixa acontecer. Esquece o que não te faz rir e compartilha comigo tua felicidade. As cócegas deitado na cama, o susto daquele beijo roubado, o encontro inesperado naquele fim de tarde após o trabalho. Esquece a previsão e faz da gente o melhor acaso.

Esquece tudo que você arrumou desde os dezesseis anos: os planos, o pedido de namoro, o casamento, a casa, o quintal. Esquece o príncipe e o castelo imaginário, a história perfeita e o amor ideal. Esquece o coração aberto e deixa eu bagunçar você. Talvez assim a gente consiga se encontrar melhor e refazer nossas vidas no meio dessa bagunça que é amar.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Carta ao menino de 16 anos


Para ler ouvindo "Piloto Automático"

Não se assuste. O mundo é bem diferente do que você acredita. Parece difícil enxergar que ainda virá muita coisa difícil pela frente, mas você vai precisar encarar. Continue planejando os próximos passos, só não se prenda demais a eles. Mais cedo do que imagina, você precisará mudar a direção, alterar a velocidade e seguir. O caminho nunca será previsível e qualquer mapa ainda será pouco perto da intuição que você usará como bússola.

Chore. Sempre que o peito apertar, não tenha vergonha de desabar. Pode ser sozinho, em seu quarto, ou no ombro de quem realmente está contigo. Nunca se deixe sufocar por nada. Respirar é o melhor remédio para aliviar as quedas, e o ar necessário pode vir de lugares que você jamais imaginaria tamanha simplicidade. Ah, você também vai entender o quanto estar em casa é valioso. A liberdade é ainda mais gostosa quando você continua conectado a suas raízes.

Duvide mais dos outros e menos de você. Cuida dessa mania de abrir seu coração ao menor sinal de afeto. Ouça mais, observe mais, acredite menos. Você vai perceber que a pessoa mais sincera que você encontrará é você mesmo. Fale com ela todas as noites antes de dormir e confie. Por mais confusa que as coisas pareçam estar, não existe melhor guia do que a voz que vem daí de dentro.

Ame. Se doer, ame de novo. Nunca desista do amor ainda que você colecione finais não tão felizes. Vai demorar de você entender que o amor é muito mais que relacionamentos sérios, olhos brilhando todos os dias e anéis de compromisso. Não se preocupe com as quedas, nem com o tempo que você levará para se recompor. Cada vez que a vida te negar a chance de continuar amando, encare como uma nova oportunidade de redescobrir o amor. Você é forte e conhecerá ainda mais o que cultiva dentro do peito. Você simplesmente nasceu para isso, e cada história vivida deixará seus sentimentos mais maduros e sua intuição ainda mais aguçada.

Tenha paciência. Não se cobre tanto, não ande tão depressa, não tente criar o mundo em sete dias. Existe uma sequência natural de fatos que precisa ser respeitada. Não exija de você aquilo que é de responsabilidade do tempo. Por mais dolorosa que cada etapa pareça ser, é a sabedoria de vivê-las que nos faz saber para onde estamos indo. Você poderá ter o mundo nas mãos, mas só vai conquistá-lo se for por partes.

Divirta-se. Quando tudo estiver no devido lugar, comemore. Quando nada estiver no lugar, permita-se esquecer de tudo e buscar um novo jeito de sorrir. O sorriso é a demonstração mais pura do que é estar pleno. Com o tempo, tenho certeza que você irá valorizar ainda mais as simplicidades do dia a dia, são elas que trarão a leveza para sua vida.

Apenas continue. Minha torcida sempre será para que nenhuma tempestade seja capaz de tirar a esperança dos seus olhos por mais um dia de sol. Meu desejo é que exista uma mão para te ajudar a levantar, mas que, antes de tudo, exista sempre uma força aí dentro para te dar impulso seja qual for o momento. E, mais importante do que tudo isso, que você continue buscando conhecer você mesmo, porque a descoberta honesta de si é o melhor presente que você ganhará todos os anos.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Jon Pereira

domingo, 10 de abril de 2016

Quando a gente terminou


Para ler ouvindo "Pois é"

Um dia me contaram que amar é como cultivar uma flor. No começo, você não consegue nem imaginar quais as cores que virão, mas acaba insistindo na terra molhada e na paciência. Aos poucos, as coisas tomam forma e os primeiros sinais de beleza já podem ser vistos naquele pequeno lugar que você aprendeu a chamar de seu. De repente, as pétalas aparecem e o encanto é tão grande que não cabe no peito tamanha alegria. Mas aí você precisa continuar regando, continuar acreditando dia após dia que nada continua florido se você não entrega um pedacinho de amor.

Só que, nos melhores jardins, algumas flores acabam morrendo. E foi aí que a gente terminou: quando você esqueceu que amor não cresce sozinho. A gente terminou quando perdemos a mania de naturalmente fazer o outro feliz; quando deixamos de ler os olhos do outro para alimentar nossos próprios egos. A gente terminou assim que viramos a esquina carregando no peito uma porção de orgulho. É que não cabe ser feliz sozinho quando se fala em amor a dois. Não cabe calar quando o peito aperta. Viver a dois é ser sorrisos e lágrimas juntos, ainda que custe abrir mão de outras coisas.

A gente se perdeu no caminho por acreditar mais em si mesmo do que em nós dois. Parecia que seríamos um casal até o último dia, com todas as histórias, lembranças e fotografias em que não estaríamos forçadamente sorrindo. A gente se perdeu por esquecer diariamente de se encontrar nos pequenos detalhes da vida. E quantas vezes a gente traçou nosso futuro em linhas que se encontravam no amor? Quantas vezes a gente sussurrou o quanto seríamos eternos? Pobres apaixonados. Acreditam no “felizes para sempre”, mas esquecem de fazer do hoje o lugar mais seguro e amável.

Perdemos todas as chances de dizer “eu te amo” por puro medo de ser cedo demais. Mas o tempo é tão relativo que não deixa claro quando o fim está perto. Nós esquecemos de remar, esquecemos de ajustar as velas, esquecemos de nos prevenir da chuva. Foi aí que nosso barco afundou. Só restaram as lembranças, algum resto de pétalas que foram morrendo com o tempo e uma nova semente escondida. Outra hora, meu bem, a gente decide plantar novamente o amor e cultivá-lo até o fim.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Geovane Peixoto

quinta-feira, 31 de março de 2016

Sobre ele


Para ler ouvindo "Conversa de Botas Batidas"

Ele prefere falar em primeira pessoa, se declarando entre pedras e rosas. Descobriu cedo que só vale a pena se importar com aquilo que vem de dentro. Se não provoca nada, não merece tanta atenção assim. Na verdade, ele é amante do acaso. Gosta de como a vida apronta surpresas e debocha de quem tem pressa. Gosta da mansidão do (a)mar, da leveza do sorrir, da luz dos olhos que clareia os pensamentos mais nebulosos.

Sempre soube que foi feito de coração e alma. Ainda que lhe falte um amor, lhe sobra o amar. Aprendeu que só é possível estar completo quando vale a pena estar sozinho. Entendeu que ninguém é capaz de preencher o vazio no peito se não há disposição para reconstruir sozinho os pedaços que estão em falta. Cresceu ouvindo que a solidão é triste, mas resolveu acreditar que a lua pode ser tão bonita quanto às constelações. No fundo, ele sabia que a beleza mora naquilo que traz paz.

Amou uma vez e jurou nunca mais amar de novo. A dor da perda parece irreparável e a decepção parece imperdoável. Mais tarde, descobriu que não era capaz de abandonar os riscos de ser feliz. Resolveu amar de novo e de novo e mais uma vez, quantas vezes fossem necessárias. É que o amor é infinito para quem acredita naquilo que é pleno, e ele sonhava em tornar eternas as borboletas que cultivava dentro de si.

Ele nunca gostou de distâncias, dessa coisa de ver a saudade fazer morada em dois peitos que só desejam estar juntos. Já chorou pelas ausências eternas, já teve o peito sufocado pelas ausências temporárias. Já brigou consigo mesmo por insistir em amar sem razão, por deixar o coração mandar no compasso da vida. No fundo, ele só queria dar abrigo eterno à ternura dos sorrisos, sem precisar fazer uma prece todos os dias para que as aflições da vida fossem discretas e passageiras.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Lucas Lima

sexta-feira, 18 de março de 2016

Desapega


Para ler ouvindo "Liberdade"

Desapega dessa ideia de que ele é o cara certo. A vida real não é feita de príncipes, castelos e felizes para sempre. No final de todo conto de fadas, existe uma realidade em forma de continuação. Desapega das lembranças dos primeiros meses e do peito em que você deitou algumas noites para fugir do mundo. A vida real é feita de momentos, e o tempo é o grande inimigo de quem deseja congelar qualquer sentimento.

Desapega dessa mania de dormir e acordar pensando nele. Aprende, de uma vez por todas, que você não consegue lidar com seus afetos excessivos. Desapega do perfume dele após o banho ou até daquele cheiro que fica grudado no travesseiro depois que ele vai embora. Desapega das músicas favoritas que ele cantarola o dia inteiro quando acorda de bom humor e da comida preferida que vocês costumavam dividir naquele restaurante da esquina.

Desapega dos sorrisos que combinaram por tanto tempo, mas que vem amarelando ultimamente quando vocês se encontram. Desapega do primeiro poema que ele dedicou para você e de todas as vezes que ele parecia ter sido o melhor presente que a vida trouxe. Desapega da casa com quintal, dos dois filhos e até daqueles programas furados que vocês conseguiam se divertir apenas por estarem na companhia um do outro.

Desapega da ideia de que sofrer é parte do amor. Apaixonar-se não é uma forma de automutilação. Viver o amor é dividir a vida de forma terna, tornar mais doce o que naturalmente virá amargando. Não precisa colocar tanto sofrimento no que nasceu para ser belo. Amor quando pesa precisa de desapego. Talvez seja a hora de você encontrar a felicidade naquilo que te faz livre.

Não precisa desistir do amor. Se bem lhe conheço, mais cedo ou mais tarde, você descobre uma nova forma de se apegar ao que virá. Só não esquece o quanto é especial tudo que você cultiva aí por dentro e nem deixa morrer a pureza dos seus sonhos mais doces. Permita-se viver a leveza de se bastar no melhor que mora em você. Para ser feliz de verdade, é preciso apaixonar-se todos os dias por quem você é.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Ricardo William

domingo, 6 de março de 2016

As histórias que ele contava por aí


Para ler ouvindo "Lost Stars"

Ele nunca foi bom com histórias reais. Sempre tropeçou nos primeiros meses, nas primeiras falhas, nos primeiros desencontros que chegam depois dos primeiros beijos e antes do “felizes para sempre”. Ele sempre foi bom mesmo nas histórias contadas em filmes e romances de sessão da tarde. E não é por falta de sentimento. Na verdade, ele sempre escorregou nos excessos. Sentia tanto que não era capaz de caber em si. 

É que ele guarda no peito uma espécie de bomba relógio e qualquer pequeno detalhe é capaz de causar uma explosão sem tamanho. Ele até tentou ser daqueles que se importa menos do que deve, que vive por si e o que vier é lucro, que não sente a diferença entre um “eu te amo” e o silêncio. Mas ele é feito de poesia, e o silêncio é como a arma letal capaz de anular qualquer confiança de quem sente demais.

Mesmo com medo, ele nunca foi de desistir daquele sonho de menino. A felicidade era como o pote de ouro em dias de chuva com sol, ainda que valesse muito mais a pena observar a caminhada em direção ao fim. Ele sabia que não seria tão fácil encontrar o final feliz, mas insistia. Insistia, mesmo com o descompasso dentro do peito, porque sabia que a indiferença não lhe cabia. Insistia buscando em cada pingo de água um motivo para renovar sua alma, para deixar levar aquilo que não fazia parte do que sonhava em ser.

Mesmo crescido, ele ainda tinha medo do escuro. Suas inseguranças não reagiam bem com a ausência do que pode ser visto. Ainda que os outros sentidos fossem tão preciosos pra ele, o que era exposto tornava as reações mais reais e menos imaginárias. Ele cresceu com receio dos fantasmas do sentir. Se fosse noite, ele procurava se aninhar em algum canto de luz até amanhecer, até que todos os monstros que se escondiam dentro de si pudessem voltar a dormir.

Sempre acreditou em intuição e teimava em ser apenas aquilo que lhe fazia bem. Encher o peito de afeto era quase um mantra, que repetia todas as vezes que o mundo parecesse cinza demais. Mesmo depois de todos os desafetos da vida, ele sabia que cada cicatriz era mais uma prova de quanto ele era forte. Entre erros e acertos, bagunças e aconchegos, gargalhadas e lágrimas, ele sempre encontrava as peças certas para começar e terminar qualquer história.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Geovane Peixoto

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Eu decidi esperar você


Para ler ouvindo "Singular"

Eu decidi esperar por você desde a primeira vez. Mesmo sem fazer a menor ideia de que era você, eu esperei você mandar aquele “oi” como quem me permite dar mais um passo. E depois eu esperei você na fila do cinema, com um balde de pipoca e algumas borboletas acordadas, para assistir a um filme qualquer e poder, de perto, ver se nossas mãos se encaixavam. Eu decidi esperar você quando te disse adeus na porta de casa, de malas prontas e sem nenhuma certeza de futuro.

Sabe, menino, ir contra a maré é o forte dos teimosos e quando eu coloco meu coração em alto mar, se afogar é apenas um risco para um marujo. Foi aí que eu decidi esperar até o próximo beijo, até a próxima despedida, até o próximo reencontro. Decidi esperar nossa história ser escrita com o peito aberto, sabendo que cada noite com a tua ausência seria recompensada pelos sorrisos da tua presença.

Entre o sim e o não, eu te disse “sim”. Longe de todo o nosso mar, perto de tudo que a gente sonharia em chamar de nós a cada novo nascer do sol, eu decidi que seria o seu corpo o meu melhor refúgio e o seu abraço a melhor forma de pertencer a algum lugar sincero e aconchegante. Mesmo quando as tempestades insistissem em aparecer e tudo parecesse desmoronar, decidi esperar você se recompor. Eu sabia que a tua calma era questão de tempo e entreguei minhas mãos para que você soubesse sempre onde ancorar quando a maré enchesse.

Eu decidi compartilhar meus sonhos contigo cada vez que a gente dividiu o travesseiro e sua cama de solteiro. E mesmo que, algum dia, a gente desista disso tudo, eu sei que fomos o melhor que podíamos ser durante todo esse tempo em que nossos sorrisos estão juntos. A questão, menino, é que eu continuo te esperando, de janela aberta, coberto de saudade e com os sonhos brilhando nos olhos. E cada vez que eu decido esperar, é porque eu sei que a paciência é o exercício mais nobre para quem ama, e o amor faz sentido cada vez que eu olho para você perto de mim.

Texto de Patrick Moraes